O Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo), em estudo inédito cujos resultados serão divulgados nesta segunda-feira (15), indica que o aumento dos impostos cobrados de uma pequena parcela dos mais ricos para transferência de renda aos mais pobres, além de reduzir a desigualdade socioeconômica do país, poderia alcançar grandes efeitos no sentido da recuperação da economia.

A conclusão do estudo parece ser um tanto quanto natural, mas o mais interessante aqui é a realização de uma análise quantitativa. O estudo aponta que financiar um programa permanente de auxílio financeiro aos 30% mais pobres, no valor de R$ 125 por mês, através da cobrança de tributos adicionais do 1% mais rico, poderia aumentar o PIB (Produto Interno Bruto, maior indicador da atividade econômica de um país, correspondendo à soma dos valores de todos os bens e serviços produzidos no território em determinado período) em 2,4%.

Laura Carvalho, professora de economia da USP e uma das autoras do estudo, esclarece que a redução da desigualdade de renda tem benefícios próprios independentes do crescimento econômico, uma vez que promove o direito à dignidade humana e reduz distorções no sistema democrático. Entretanto, persiste no debate econômico a ideia de que o crescimento da atividade econômica e a distribuição de renda são mutuamente exclusivos, e que seria necessário optar por apenas um deles.

A pesquisadora afirma que, cada dia mais, a ideia tem sido empiricamente invalidada e que, por esse motivo, a equipe resolveu demonstrar com dados a possibilidade de se criar um programa que alie crescimento econômico e redução da desigualdade, refutando a noção de que são contraditórios. No estudo foram analisados os efeitos sobre o PIB de diferentes tipos de programa de redistribuição de renda.

Diferentes propensões ao consumo

Segundo Carvalho, o princípio macroeconômico do multiplicador do orçamento equilibrado estabelece que é possível obter crescimento econômico significativo mesmo sem impactar o orçamento e deteriorar as contas públicas, bastando transferir para a base da pirâmide econômica renda obtida com tributação do topo da pirâmide. Esse efeito se constataria porque a população mais pobre tende a usar uma parte muito maior da sua renda em consumo do que a população mais rica.

Essa diferença fica muito clara mediante análise dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2017-2018, que demonstra que os 10% mais pobres da população do país gastam 87% de toda sua renda mensal em consumo, enquanto o 1% mais rico gasta apenas 24% da sua.

Para o cenário atual

Na visão da economista, em termos de políticas sociais há duas providências que o governo deveria adotar para retomar o crescimento econômico.

A primeira, imediata, é a retomada do auxílio emergencial. A pandemia ainda não acabou e, inclusive, há dados que suportam estarmos no seu ápice, como sucessivos recordes internacionais recentes nos números de mortos pela Covid-19. O fim do auxílio emergencial deixa milhões de habitantes economicamente desamparados, a maioria desempregados por decorrências dessa calamidade, rebaixando mais de 2 milhões de brasileiros à faixa da pobreza. A situação emergencial exige a retomada do auxílio, mesmo com financiamento na ampliação da dívida.

A segunda providência é a expansão do Bolsa Família, de forma permanente e sustentável. O programa em sua extensão atual não tem se mostrado suficiente para proteger a parcela da população cuja renda é baixa e oscilante da queda na pobreza extrema.

O programa pensado pelos pesquisadores é fiscalmente neutro, sem prejuízos para o orçamento, contribui para a redução da desigualdade e para a retomada da economia, estimulando o ritmo de crescimento econômico a médio e longo prazo.

Meios de taxar os mais ricos

Apesar de não ser o foco da pesquisa, algumas formas de aumento da tributação sobre o 1% mais rico são elencadas pela economista. Levar o foco do aumento da tributação a essa estreita faixa no topo da pirâmide é razoável tendo em vista que essa é a faixa que atualmente paga uma porcentagem muito menor de impostos sobre a renda, quando comparada a todas as outras. Em outras palavras, hoje, os pobres têm de dedicar uma parte muito maior de sua renda ao pagamento de impostos.

Uma dessas formas é a eliminação da isenção do imposto de renda sobre lucros e dividendos. Os mais ricos, proprietários dos meios de produção, coletam lucros de seus negócios e esses lucros, atualmente, não recebem taxação alguma, enquanto trabalhadores assalariados pagam até 27,5% de sua renda apenas com esse imposto.

Uma segunda maneira de taxar o 1% seria eliminar a dedução de despesas com saúde e educação privadas do imposto de renda, o que tende a beneficiar desproporcionalmente o topo da pirâmide.

Carvalho ainda lista uma terceira forma de taxação, com a criação de uma alíquota superior aos 27,5%. O temor de se causar um êxodo dos mais ricos para fora do Brasil, muito comum em face dessa ideia, segundo a economista poderia ser descartado, tendo em vista que 27,5% é, de fato, uma alíquota marginal máxima baixa comparada às de outros países. Os Estados Unidos, por exemplo, praticam a taxa de 40%.

Qualquer que fosse o meio de taxação adotado, por constituir alteração do imposto de renda, a proposta da pesquisa só teria efeito no ano seguinte à implantação do programa. Por isso, ressalta a economista, as medidas de reinstituição do auxílio emergencial seriam, neste momento, essenciais.