Nesta sexta-feira (5), em pronunciamento à imprensa, Bolsonaro declarou o objetivo de, após estudo de viabilidade jurídica, alterar aspectos do ICMS para alcançar a redução dos preços dos combustíveis ao consumidor final.

A declaração vem após fortes ameaças de greves generalizadas por parte dos caminhoneiros, inconformados com o mais recente aumento do preço do diesel e com a política de preços da Petrobras, que estabelece paridade internacional. A greve ocorreria no dia 1 de fevereiro, mas a aderência da categoria ao movimento foi muito baixa, com a maioria das entidades de associação dos trabalhadores do setor se posicionando contra a paralisação. O presidente afirmou ter dialogado com representantes dessas entidades e ter feito apelo que pode ter contribuído para a dissuasão do ânimo grevista.

Almejando previsibilidade

O presidente afirmou, no pronunciamento de hoje, que uma das principais reivindicações populares é a redução da volatilidade dos preços e que, para reduzi-la, busca uma estratégia para tornar o ICMS previsível.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ICMS, é determinado de forma particular por cada estado da federação. As Assembleias Legislativas de cada entidade federada são as responsáveis por determinar a forma de cálculo, que atualmente é baseada no preço médio cobrado do consumidor final.

Dado que o preço dos combustíveis para o consumidor final, na bomba, é superior ao dobro do preço praticado nas refinarias, o governo avalia a criação de uma proposta de lei complementar, a ser enviada para apreciação e possível aprovação do parlamento, que estabelecerá a aplicação do ICMS ainda nas refinarias, ou estabelecerá uma porcentagem ou valor fixo do imposto para o álcool, outro para a gasolina e outro para o diesel, como já é praticado pelo governo federal no caso do PIS/Cofins. O valor atualmente cobrado desse imposto, no caso do diesel, é fixo em R$ 0,35 por litro.

O estabelecimento da porcentagem ou do valor fixo a ser cobrado seria ainda responsabilidade das respectivas Assembleias Legislativas de cada estado, preservando a ideia de autonomia.

A perspectiva de queda do imposto, porém, já encontra oposição anunciada de parte dos governos estaduais, dado que a arrecadação com o formato atual do ICMS é uma das principais fontes de recursos para as administrações.

Ênfase liberal

Bolsonaro, ao longo da coletiva, afirmou reiteradas vezes que não pretende influenciar de forma alguma a política de preços da Petrobras, num esforço de afastar o receio do mercado de que o executivo possa interferir autoritariamente no estabelecimento dos preços da empresa para abaixá-los.

Esse receio foi incentivado, recentemente, por avaliações de analistas que concluíram que a estatal estaria segurando reajustes de forma predatória. Aplicando reajustes abaixo do mercado, a Petrobras estaria praticando preços abaixo dos preços de importação das concorrentes privadas, impedindo a competitividade das rivais. O presidente da companhia, entretanto, negou tanto a interferência do governo na determinação dos preços quanto a acusação de atuação predatória.

Esforço potencialmente inútil

Muitos especialistas e analistas de mercado acreditam, entretanto, que o esforço de redução do ICMS e até do próprio PIS/Cofins, não produzirá o resultado esperado de redução dos preços no cenário brasileiro.

José Paulo Kupfer, economista e premiado jornalista econômico, afirma que o principal motivo de a redução de impostos não se reproduzir no preço repassado ao consumidor final, é o fato de os impostos, no caso do Brasil, serem embutidos no preço. Quando um imposto não precisa ser declarado para o consumidor, sua redução pode ser absorvida com o aumento do lucro do vendedor, e o objetivo principal de redução do preço é completamente frustrado.

Kupfer deixa claro, ainda, que a relação entre oferta e demanda é fator essencial na determinação do cenário que possibilita essa absorção. Quando a demanda se encontra abaixo da oferta, ou seja, quando há mais combustível disponível do que os consumidores estão aptos a consumir, os fornecedores buscam qualquer redução de custo possível na cadeia produtiva para alcançar redução de preço e aumento do volume de vendas. Nesse caso, a redução do imposto cobrado sobre a mercadoria pode se traduzir quase inteiramente em redução do preço final, o que pode expandir a faixa do público capaz de consumir e, dessa forma, resultar em aumento do lucro.

Entretanto, esse não é o cenário brasileiro. No Brasil, o oposto ocorre: a demanda por combustível excede a oferta, o que é fácil de compreender como resultado de mais de meio século de negligência do transporte ferroviário, da precariedade da própria malha rodoviária e da cultura de profundo desrespeito pelo transporte público. Nesse contexto, não há estímulo para a redução de preço, pois ela não expande a capacidade de venda, limitada apenas pela oferta insuficiente. A redução do imposto cobrado apenas aumenta o lucro das vendas e nunca chega à ponta. E isso fica ainda mais fácil com o imposto embutido no preço, de forma a impossibilitar qualquer questionamento por parte do consumidor, que se vê praticamente refém da indústria do combustível.