Nesta quinta-feira(4), o grupo anglo-holandês Royal Dutch Shell, conhecido mais popularmente como apenas Shell, anunciou que sofreu um prejuízo imenso de 21,7 bilhões de dólares no ano de 2020. O anúncio segue a rima de relatórios recentes de outras grandes companhias do petróleo, como a BP e a ExxonMobil.

Forte competidora da Shell no mercado britânico, a BP divulgou seus resultados na terça-feira(2). De acordo com eles, a empresa acumulou um prejuízo de U$ 20,3 bilhões.

No mercado americano, pelo menos outras duas companhias ditaram o tom que foi seguido pela Shell, com a ExxonMobil registrando o primeiro resultado anual negativo de sua história recente, nada menos que uma perda de 22,4 bilhões de dólares, e a Chevron registrando a cifra negativa “menos impressionante” de 5,5 bilhões.

Ainda há relatórios iminentes de outros grandes atores do mercado, como os da francesa Total, que prometem não divergir do conjunto.

Contraste máximo

O que torna os valores reportados por essas companhias tão chocantes é o contraste entre os lucros dos anos anteriores, de dezenas de bilhões de dólares, com os prejuízos atuais de mesma ordem de grandeza, ilustrando com clareza os efeitos econômicos da pandemia do coronavírus. Os lucros da Shell em 2019, por exemplo, foram de U$ 15,8 bilhões.

O consumo de petróleo e gás caiu abrupta e violentamente e se manteve baixo durante boa parte do ano de 2020. Isso foi decorrência das paralisações da maior parte da atividade econômica em todo o mundo. No Brasil, suspensões do comércio e da maior parte dos serviços levaram à redução da frequência do transporte público e do transporte de mercadorias. A instituição e popularização do regime de home office também foi muito desfavorável ao consumo de combustível, reduzindo enormemente a quantidade de veículos nas ruas realizando suas migrações pendulares.

Vidas levadas, vidas poupadas

Em meio ao caos letal da pandemia, com diversos países constatando milhares de mortos diariamente, o mundo, de um certo modo, agradeceu a redução de consumo. Pesquisadores constataram níveis de poluentes do ar, em julho de 2020, muito inferiores aos habituais. O dióxido de nitrogênio (NO2), por exemplo, gás emitido pela queima nos motores de combustão, estava em níveis 40% menores que no ano anterior.

Como esse e outros gases tóxicos de mesma origem são responsáveis, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), pela morte de 7 milhões de pessoas anualmente, um dos efeitos da queda do movimento de veículos foi justamente a redução do número de vidas perdidas por consequência da poluição do ar.

As reduções dos índices de mortes associadas à poluição, indicam que cerca de 11 mil mortes foram evitadas coletivamente em países da Europa e pelo menos 50 mil mortes foram evitadas apenas na China.

Vários tropeços

No segundo trimestre de 2020, período em que o mundo, como um todo, adotou diversas suspensões de atividades, a Shell sofreu uma desvalorização que seria a grande responsável pelo seu prejuízo do ano. Seus ativos se desvalorizaram configurando uma perda de mais de 18 bilhões de dólares.

Durante o terceiro trimestre houve uma retomada que apontou um cenário positivo, frustrado em seguida no quarto trimestre, em que novamente ocorreu depreciação de ativos com uma perda de U$ 4 bilhões.

Adaptação de postura

A Shell está adotando uma certa prudência para este e o próximo ano, objetivando cortes de 7 a 9 mil postos de trabalho até o fim de 2022. Porém não abriu mão do aumento do dividendo para o primeiro trimestre de 2021, uma vez que se viu obrigada a reduzi-lo no último trimestre de 2020, fato inédito desde os anos 1940.

Ben Van Beurden, CEO da companhia, afirmou que fecharam 2020 com o balanço financeiro mais sólido, após terem sido obrigados a iniciar uma reestruturação para se adaptar a preços mais baixos e ao objetivo de torná-los neutros de carbono até 2050.

As energias limpas ou de escasso impacto de carbono, de acordo com o planejamento da empresa, deverão ser alvo de quase 10% dos seus investimentos, 2 a 3 bilhões de dólares por ano, de 2021 a 2025. Antes da pandemia, inclusive, a Shell chegou a declarar o propósito de se tornar a maior do mundo no setor de energia elétrica até o início da década de 2030.

Esse objetivo, inclusive, aproxima a Shell da administração dos Estados Unidos do novo presidente Joe Biden, com quem Van Beurden afirma ter vontade de trabalhar. Biden já deixou bem claro que a dependência da economia americana dos combustíveis fósseis está em sobrevida e já deveria ter sido superada em favor da aplicação de combustíveis sustentáveis e menos poluentes, reconhecendo as consequências catastróficas do efeito estufa.