Ameaças de nova paralisação da categoria fazem crescer o temor de desabastecimento tal qual ocorrido em 2018, ocasião em que uma greve de 10 dias escancarou a fragilidade e a gravidade do equívoco na eleição histórica do sistema rodoviário de transportes como o principal e majoritário meio de transportes no Brasil.

Desde então, nada ou muito pouco foi feito no sentido de combater a dependência do sistema rodoviário no transporte de pessoas e mercadorias. Não houve destinação de aportes e investimentos prioritários para o setor de infraestrutura que segue precário e se constitui em uma das principais causas de desestímulo ao investimento e atividade econômica.

Sem os devidos investimentos, os problemas que levaram à primeira grande paralisação dos caminhoneiros persistem e a categoria pressiona o governo a adotar medidas favoráveis ao exercício da atividade dos caminhoneiros.

Malha rodoviária

São antigas e conhecidas as críticas à excessiva concentração do transporte de mercadorias e passageiros por meio do sistema rodoviário. Estima-se que, mesmo se tratando de um país continental e com diversas alternativas, o Brasil ainda opte por realizar cerca de 58% do transporte interno por meio rodoviário, maior índice entre as economias desenvolvidas.

A malha rodoviária brasileira tem cerca de 1,72 milhões de quilômetros de estradas, em sua absoluta maioria estaduais (95%). As estradas que já serviram para integrar o território, favorecer a unidade nacional e a industrialização do país, hoje se mostram como meio antiquado e caro de transportar mercadorias e passageiros e a insistência em sua eleição como meio prioritário de deslocamento encarece a produção brasileira, gera perda de competitividade e inflama as reivindicações.

Caminhoneiros

Responsáveis pelo transporte de quase tudo que chega até as residências dos brasileiros e abastece os pontos comerciais, os caminhoneiros ganham força para suas reivindicações e se organizam para pleitear melhores condições para o exercício da profissão.

Quer realizando paralisações, quer pressionando a adoção de medidas mais favoráveis à categoria, os caminhoneiros se organizam em entidades como a Associação Brasileira dos Caminhoneiros – Abcam e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL).

O exercício da profissão é considerado extremamente penoso e são diversas as dificuldades enfrentadas na jornada de trabalho. São inúmeros os relatos de acidentes de trânsito, péssimas condições das estradas, ausência de locais adequados para alimentação e descanso, insegurança, excesso e roubo de carga, dentre outros.

A saúde dos profissionais sofre impactos com as degradadas condições de trabalho, a distância dos membros da família, a solidão, a tensão constante e o acometimento por doenças físicas e psicológicas. São frequentes os relatos de doenças ortopédicas, respiratórias e oftalmológicas, além do abuso de álcool e drogas.

Não por outro motivo, a lei reconhece a penosidade e os riscos envolvidos no desempenho da atividade, assegurando a aposentadoria especial a esses profissionais desde que atingido um tempo mínimo de efetivo exercício da atividade de caminhoneiro.

Posição do governo e falas de Bolsonaro

A fim de conter os ânimos grevistas, Bolsonaro autorizou a redução de PIS/Cofins incidente sobre o óleo diesel em 5% e estuda outras medidas para atender às principais demandas dos caminhoneiros.

Pedindo calma às entidades representativas da categoria e apelando para que não façam greve, Bolsonaro se viu constrangido com vídeo “requentado” da greve de 2018 em que, manifestando solidariedade aos problemas enfrentados pelos caminhoneiros à época, critica a omissão do Poder Legislativo e apoia o movimento grevista. No vídeo, o Presidente cita o valor dos pedágios, a indústria da multa, o valor do frete, as condições das estradas e o roubo de carga como os principais problemas enfrentados pelos profissionais.

No afã de esfriar os ânimos, medidas já tinham sido tomadas anteriormente pelo governo como a inclusão dos caminhoneiros no grupo prioritário para vacinação contra a COVID-19, bem como o estabelecimento de alíquota zero para imposto de importação de pneus. Com o aumento do óleo diesel nas refinarias em 4,4%, no entanto, a categoria segue pressionando por medidas favoráveis e redução de custos para o exercício da atividade.

Greve de 2018

As ameaças de greve remetem ao episódio de mesma natureza ocorrido em 2018, ainda sob o governo de Michel Temer, e que causou bloqueio de estradas e desabastecimento geral. O movimento, assim como ocorre agora, teve início com uma alta do óleo diesel que inflamou a categoria que também reclamava o estabelecimento de uma tabela mínima de valores de frete.

Com início em 21 de maio de 2018 e se protraindo até 30 de maio, a paralisação dos caminhoneiros afetou todos os ramos de atividade econômica e gerou a escassez de alimentos, remédios e combustíveis. Filas intermináveis de veículos nos postos de gasolina marcaram o cenário das cidades e evidenciaram as fissuras e a insustentabilidade de um sistema de transporte majoritariamente feito por rodovias.

A greve causou o cancelamento de eventos, de voos, suspensão de atividades como aulas escolares e outras, seguindo-se a decretação de estado de calamidade em diversas cidades entre as quais a maior e mais populosa do país: São Paulo.

Marcada por excessos, houve críticas aos caminhoneiros pelos prejuízos causados e pela intransigência. Também houve acusações e críticas ao governo pela inabilidade em conduzir as negociações e pelo uso, por exemplo, das forças armadas para promover o desbloqueio de vias.