Aqui no financentro.com já postamos uma série de textos e matérias sobre a saúde mental e o ambiente de trabalho. 

Explicamos que a pandemia trouxe, inicialmente, uma sensação de insegurança ao trabalhador, que teve que começar a desenvolver seu trabalho num ambiente que não o do escritório – geralmente sua casa. Esta insegurança inicial fez com que muitos passassem a repensar suas carreiras e prioridade, dando mais importância para a saúde mental do que para outras coisas. Esta matéria você pode ler aqui.

Também chegamos a comentar sobre alguns distúrbios mentais específicos, como o languishing – sensação de desmotivação, apatia e definhamento – que você pode ler nesta matéria aqui; e sobre o burnout – uma espécie de explosão interna do trabalhador. Esta última, inclusive, passou a ser considerada, desde janeiro de 2022, como uma doença do trabalho. Você pode ler mais sobre isso aqui.

Você também pode se informar sobre como funciona o sistema público de proteção e prevenção dos distúrbios mentais, e como você mesmo pode se prevenir e proteger contra as doenças de saúde mental, lendo a matéria que está disponibilizada aqui.

Na postagem de hoje, vamos falar como a busca por saúde mental tem levado a um fenômeno mundial que ficou conhecido como “A Grande Resignação” – milhares de trabalhadores pedindo demissão, voluntariamente, todos os  meses.

 

Quase meio milhão de resignações por mês

O fenômeno passou a ocorrer a partir da metade do ano de 2020 – bem quando a pandemia de Covid-19 estava em alta em quase todo o mundo.

Claro, é preciso pensar que em alguns países, como os Estados Unidos, pedir demissão é uma atitude menos danosa ou drástica. Estes países não possuem uma legião de pessoas desempregadas. O desemprego atinge uma taxa de praticamente zero, uma situação que a economia chama de situação de pleno emprego. Nos Estados Unidos, todo o mês, praticamente 4 milhões de trabalhadores decidiram deixar seus empregos.

Mas mesmo no Brasil, cuja taxa de desemprego é de quase 13%, praticamente 500 mil pessoas resolveram pedir demissão nos últimos meses – sem levar qualquer vantagem nisso, nem mesmo conseguem liberar o FGTS. Vale colocar que as demissões de comum acordo, que passaram a ser admitidas a partir das reformas trabalhistas, não contam como demissões voluntárias. Por isso, o número de pessoas desgostosas com seu trabalho a ponto de pedirem demissão pode ser ainda maior.

Estes números são tão expressivos que significam 15% das movimentações trabalhistas no período entre a metade de 2020 e atualmente.  

 

Ganhar mais, mudar para um ambiente de trabalho melhor, ou apenas melhorar a qualidade de vida

Os números oficiais não contam o principal. Qual seria o motivo para existir tantas demissões, seja nos países em que a situação é de pleno emprego, seja nos países cuja situação econômica não parece tão boa – como no Brasil.

Conforme especialistas que foram ouvidos pela revista Você S/A, o trabalho remoto foi uma fator que fez com que o trabalhador passasse a repensar o ambiente em que trabalhava e suas prioridades. Trabalhar de casa fez eles repensarem o trabalho em ambientes fechados, com horas rígidas. 

O trabalhador percebeu que rende mais trabalhando de casa, muitas vezes sem ter nem mesmo um chefe para chamar de seu.

 

Salários baixos

Os profissionais que mais pediram demissão durante o período foram aqueles que trabalhavam em ambientes fechados, com menor remuneração e com menor exigência de qualificação.

A ocupação com maior número de demissões voluntárias foi a de Operador de Telemarketing. 22% das demissões voluntárias. 

 

Coisa de jovem

A grande maioria dos trabalhadores que pedem demissão são de até 24 anos. 30% dos profissionais têm esta faixa etária. Entre os 24 e 29 anos, o índice diminui. São 20% dos profissionais que estão nesta faixa etária que pedem demissão voluntária. No entanto, o índice volta a subir para o patamar de quase 30% para os profissionais na faixa etária de até 39 anos.

 

Sociedade em redes e neoliberalismo é fator para a fluidez no trabalho

O dado pode significar mesmo as fases de vida. Profissionais de até 24 anos precisam e buscam profissões que exigem menos qualificação. Ainda, são de uma geração que cresceu junto com a Internet e a sociedade em redes. Uma das características desta sociedade em redes, segundo o teórico Manuel Castells, é mesmo a fluidez e a instabilidade. Esses dois fatores fazem com que este jovem busque mais experiências do que estabilidade. Sem contar que a grande maioria destes jovens não possuem obrigações como filhos e contas de casa – quando moram com os pais.

Esta geração, ainda, cresceu durante os últimos 30 anos, quando as relações de emprego não são priorizadas pelo Estado, pela economia e pelas empresas. Hoje, desde que a economia global passou a ser conduzida pelo que se chama de Neoliberalismo, o estímulo global é pelo empreendedorismo, e não pelas relações trabalhistas, como no início da industrialização e da urbanização – bem como as reformas legislativas que protegeram os trabalhadores.

 

Prioridades

A outra faixa etária que busca novas oportunidades e até mesmo fluidez são de profissionais de até 39 anos. 

Mais qualificados do que os profissionais de até 24 anos, estes profissionais não se sujeitam mais a condições e valores que não concordam. O trabalho precário e sem propósito não mais os limita para continuar numa situação de emprego degradante e perigosa – do ponto de vista da saúde mental.  

 

Mais velhos não se demitiram tanto

A faixa etária entre 39 e 49 anos é a que possui o maior número de empregos, e também a que menos profissionais se demitiram – foram só 14% dos total de pessoas que se demitiram que estavam nesta faixa de idade. 

Já entre os trabalhadores que têm 50 anos ou mais, a taxa de demissão voluntária foi ainda menor – 6,6%.